terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

A Brighter Summer Day - Edward Yang (1991)


A Brighter Summer Day é simultaneamente um drama intimista, um coming of age e um filme político. Apesar de Yang em nenhum momento se preocupar analiticamente com a etiologia política dos problemas vivenciados pela juventude da época, constantemente esse passado reflete nos conflitos do filme, como um fantasma da insegurança familiar e conjuntural que permeia as relações de cada personagem.

Com mais de cem personagens dotados de uma riqueza psicológica quase romanesca, Yang vai tecendo com uma sensibilidade pungente e devastadora a crise existencial de todo um país através do olhar desiludido de um jovem rapaz e seu esforço em conseguir estabelecer uma identidade própria em um ambiente hostil. Essa crise de identidade é um tema recorrente nos integrantes das gangues de rua, há uma descaracterização cultural e um sentimento de despertencimento espacial que mantém-se perceptível durante todo o filme, evidenciado até pelos nomes dos jovens das gangues: Cat, Airplane, Honey, Tiger... Eles cantam músicas norte americanas, exortam costumes norte americanos - o jovem Cat inclusive canta as músicas em inglês sem saber falar o idioma, com o auxílio da irmã do protagonista, que ia foneticamente "traduzindo" as músicas do inglês para o mandarim.

É possível traçar um interessante paralelo de A Brighter Summer Day com três filmes, cada um deles assemelhando-se mais a cada uma das características expostas anteriormente, sendo esses filmes Juventude Transviada, A Última Sessão de Cinema e Plataforma (que foi lançado comercialmente quase uma década depois do lançamento deste). O drama atemporal de Ray e a obra prima máxima de Bogdanovich possuem mais elementos em comum do que superficialmente poderia se imaginar: todos expõem um amadurecimento abrupto propiciado pelo mundo que os cerca e sua violência indiscriminada - seja essa violência conjuntural, pessoal, física ou psicológica. Por mais que possa parecer que em A Última Sessão de Cinema a amargura tenha procedido a morte de Sam, na realidade o sentimento de desolação e o vazio existencial esteve ali presente desde o primeiro plano do filme, com o cinema abandonado. Assim como os outros dois títulos, o filme já começa numa situação de instabilidade.

A veia política do filme, assim como em Plataforma, dá-se de maneira sutil, quase no extracampo da obra. Da mesma maneira que o monumento de Jia, Yang vai mostrando aos poucos como essa sociedade foi aos poucos entrando em desespero a partir das influências externas no cotidiano delas. Interessante em Plataforma os integrantes estarem em meio ao redemoinho, diferentemente de A Brighter Summer Day, no qual essa insegurança familiar permaneceu tão forte quanto anteriormente nos filhos.

Outra característica impressionante do filme é a maneira como os objetos são filmados. A força adquirida pela película ao filmar uma lanterna, uma espada japonesa, um rádio, uma fita - os objetos filmados por Yang tem uma potência que ressoa mais que ordinariamente. A mise-en-scène é impecável, tornando assistir ao filme uma experiência quase ascética.

Apesar do sofisticado pano de fundo, a maior beleza está na maneira como Yang filma os impulsos passionais de suas personagens, com seus planos absolutamente deslumbrantes. A desilusão amorosa precedendo a morte da amada (a morte da esperança, da concepção de inocência do mundo) é fortíssima, como todos os conflitos das personagens. A dor e a beleza persistem conflitantes, porém paradoxalmente completando-se, no cinema de Edward Yang.

"It is easy to restore a film’s image, but much harder to revive that feeling of seeing a classic for the first time. Eighteen years ago, Edward Yang’s A Brighter Summer Day was released, heralding a new talent in world cinema. Each year since has further confirmed its status as a classic, but at the cost of increased wear and tear on the prints. Restoration is usually reserved for relics from decades ago. But sometimes we need to dust off recent memories to remind us how brightly the not too distant past shined. Thanks to the latest digital technology, we can seize these celluloid moments even as they begin to slip irrevocably from our grasp. In June of 2007, when he was only 59 years old, we lost Edward Yang forever. I’m very happy that A Brighter Summer Day has been restored so a new generation of filmgoers can feel the excitement of seeing it for the first time." —Wong Kar-Wai