segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

2018

Critério de seleção dos filmes: meus favoritos que estrearam entre 2016 e 2018 assistidos pela primeira vez em 2018. Acompanhei cada entrada com um breve texto por aqui (além de já tê-los comentado em inglês também no Letterboxd). Por sinal, caso alguém tenha curiosidade, pode conferir por lá os textos também: https://letterboxd.com/diogoserafim/

Filmes:

50) Dinheiro Amargo – Wang Bing
Diáspora rural chinesa que parece se dar mais como um desdobramento natural da estrutura política do país nos últimos anos do que propriamente consequência de uma possível ilusão urbana praxológica. Diegese alicerçada em um relato cru e extenso dessas vidas e suas rotinas, nem sempre perfeitamente coeso, mas sempre instigante.

49) A Maldição do Sono – Herman Yau
Muito foi dito sobre a cena da cova coletiva (e com razão), mas a cena essencial aqui é a do estupro. Não é de se admirar que termina com um homem se alimentando das entranhas de uma mulher.

48) Western – Valeska Grisebach
Faroeste como intriga colonialista do novo século.

47) Em Chamas – Lee Chang-Dong
"O que você deve fazer não é acreditar que há tangerinas (laranjas) lá. Você esquece que as tangerinas não estão lá. Só isso". Coréia do Sul lutando contra o seu machismo agressivo e sua saturação econômica.

46) Le Livre D’Image – Jean-Luc Godard
On n'est jamais suffisamment triste pour que le monde soit meilleur.

45) Un Beau Soleil Intérieur – Claire Denis
A incerteza e o misticismo da vida e do amor.

44) Call Me By Your Name – Luca Guadagnino
Bela e efêmera história de amor em região idílica do norte italiano.

43) Chez Nous – Lucas Belvaux
O que jaz no ínterim do discurso da extrema direita. Filme essencial sobre a crescente da corrente no espectro político mundial e toda a violência que ele acarreta.

42) Phantom Thread – Paul Thomas Anderson
Transpondo e colidindo tópicos como relações de poder matrimoniais, conceito de eternidade/abstração e um complexo de Édipo desenvolvido em produção indumentária para o conceito de amor. Engraçadíssima e coerente radiografia de um casamento.

41) Support The Girls – Andrew Bujalski
Consistente e atento para detalhes, é incrível como é tão enérgico e flexível no seu rigor observativo naturalista.

40) Blue – Apichatpong Weerasethakul
Ponto de inflexão entre o teatro e o cinema, terra dos sonhos e das sombras. A matéria da nossa imaginação é o fogo.

39) As Boas Maneiras – Juliana Rojas & Marco Dutra
Aborto, anti-clericalismo, estratificação social e moral de classe.

38) Pérolas No Mar - René Liu
Sobre coisas que perduram para além do tempo, da matéria, de tudo. Eu sinto que o passado está bem na nossa frente.

37) Um Elefante Sentado Quieto - Hu Bo
Impressionante filme, de um controle espacial e dramatúrgico avassalador, novelístico no seu desenvolvimento mas essencialmente cinematográfico no seu estudo de tempo e esvaziamento rítmico.

36) Marjorie Prime – Michael Almereyda
"How nice that we could love somebody".

35) Shin Godzilla – Hideaki Anno
Fé no estado, reimaginando Fukushima sob os olhos da Segunda Guerra Mundial.

34) Did You Wonder Who Fired The Gun? – Travis Wilkerson
Didatismo visual e textual muito bem organizado e bem orientado para uma fácil compreensão da sua temática, partindo de lembranças privadas para alcançar toda a radiografia de uma nação.

33) Jeannette, l’Enfance de Jeanne d’Arc – Bruno Dumont
Nós carregamos o peso do mundo nos ombros.

32) Blindspotting – Carlos López Estrada
Gentrificação e dinâmicas raciais do capitalismo tardio norte-americano. Muito engraçado quando quer e de comentário definitivamente pertinente.

31) The 15:17 To Paris – Clint Eastwood
Eastwood dando continuidade no seu estudo de desmistificação do heroísmo. Incrível como o olho de mestre dele é capaz de fazer um exercício naturalmente irregular como esse culminar em uma cena tão espetacular quanto a que configura o seu clímax.

30) Certain Women – Kelly Reichardt
Radiografia de uma cidade pequena focada na excelente representação da condição das mulheres que ali habitam.

29) Les Fantômes d’Ismael – Arnaud Desplechin
Uma bagunça tonal, espiritual, temática, formal - estrutura perfeita para o Desplechin desenvolver suas sensibilidades pontuais. Um filme de espírito livre.

28) Vent d’Ouest - ?
Interessantíssimo filme político falsamente atribuído ao Godard, aparentemente esquecido pela crítica mas ainda muito instigante para mim.

27) First Reformed – Paul Schrader
Um filme que entende o significado de um milagre, com toda a ambiguidade que este configura.

26) Ideal Home – Andrew Fleming
O filme mais leve do ano, divertidíssimo e comovente. Recomendaria para literalmente qualquer pessoa.

25) Como Fernando Pessoa Salvou Portugal – Eugène Green
A precisão geométrica de Green em um dos filmes mais elegantes do ano. Qual o lugar da poesia em um mundo regido pela aliança política do mercado, governo e clero?

24) Mission Impossible: Fallout – Christopher McQuarrie
Toda vida é essencial pois cada uma delas me lembra de você. As melhores cenas de ação do ano contidas em um belo e divertidíssimo filme.

23) The Other Side Of The Wind – Orson Welles
Shoot'em dead. O filme póstumo de Welles é um misto erótico de auto-complacência egocêntrica de um diretor com a história colonialista de Hollywood, trabalhando com uma extensa gama de tópicos adjacentes - morte do autor, agressividade do dispositivo no ato de filmar, registro amorfo pós-moderno, liberdade e poder.

22) The Commuter – Jaume Collet-Serra
Collet-Serra sempre teve um olho para montagem particularmente aguçado, e esse último exercício dele é uma aula de tensão, ritmo, desenvoltura e ação. Divertidíssimo e eletrizante.

21) ____ - Kyle Faulkner
Lindíssimo filme de um homem só, descobrindo o mundo ao seu redor com um apanhado de belíssimos planos.

20) Madame Hyde – Serge Bozon
Entropia sempre nos faz perder algo no processo. Aprender machuca.

19) Last Flag Flying – Richard Linklater
Linklater fazendo o que faz melhor: trançando seu comovente senso para drama numa abordagem sentimental aliada a um controle de humor invejável. Verdadeiramente belo.

18) 24 Frames – Abbas Kiarostami
A expansão hermenêutica infinita da narrativa cinematográfica. O amor e o cinema são eternos.

17) Que Le Diable Nous Emporte – Jean-Claude Brisseau
Brisseau trabalhando sua metafísica erótica no mundo dos smartphones. O valor cósmico de filmar uma relação sexual e o peso do amor nesses registros.

16) Mrs. Fang – Wang Bing
Um rosto como força centrípeta que rege imóvel os seus entornos de decadência e humanismo. Bing é dos poucos ditos documentaristas capaz de encontrar imagens que perduram para além da sua efemeridade.

15) Under The Silver Lake – David Robert Mitchell
 De estrutura e humor pynchaniano, The Crying Of Lot 49 transposto para o peso nocivo da cultura no imaginário do cidadão médio norte-americano.

14) Uma Noiva Para Rip Van Winkle – Shunji Iwai
Quando nosso senso de comunidade é uma farsa, nós precisamos nos apoiar nos ombros de alguém para sermos capazes de continuar em movimento.

13) Gens Du Lac – Jean-Marie Straub
Um jovem rapaz que vem do lago, terra dos sonhadores, com fé na incerteza do horizonte sobrepondo o materialismo cínico da terra. A terra se tornará água um dia?

12) Transit – Christian Petzold
Esperando por um milagre enquanto vive uma ilusão. Em que ano estamos?

11) Amanda – Mikhaël Hers
Um dos mais belos filmes do ano, as lesões privadas são curadas nos espaços públicos. O controle dramatúrgico naturalista de Hers é de um procedimento bastante comum no cinema arthouse contemporâneo, mas não me recordo de outro filme dos últimos anos capaz de atingir a precisão dramática desse. On a tout le temps du monde maintenant.

10) Les Garçons Sauvages – Bertrand Mandico
Apesar de em um nível descritivo isso definitivamente não aparentar ser algo que me despertaria tanto interesse, é impressionante como Mandico é capaz de traduzir sua perversão erótica para um filme formalmente diverso, altamente derivativo mas simultaneamente único na sua potência sexual e agressiva. Botânica como erotismo, a natureza é desejo e o espírito humano é liberdade.

9) Hermia & Helena – Matías Piñeiro
Shakespeare como ponto de inflexão entre o mundano e o mítico.

8) Ta’ang – Wang Bing
Senso de urgência e desespero aliado a uma precisão observativa que só um cineasta como Bing seria capaz de traduzir materialmente. Impressionante como na sua passividade procedimental (leia-se processo de tornar o dispositivo cinematográfico quase invisível) encontra tantas ferramentas de sensibilização e elevação espiritual.

7) Sol Alegria – Tavinho Teixeira
Filme mais livre e revolucionário do ano, impossível não se empolgar com a sua energia e imaginação.

6) Ex Libris: New York Public Library – Friederick Wiseman
Dialética de cortes de uma lucidez inigualável, simultaneamente focada e expansiva no seu discurso, expondo o que resta da retórica civilizada na nossa sociedade ocidental.

5) The Love Witch – Anna Biller
O amor não se subordina à convicção ética, e sim a transcende. Exploitation europeu sessentista remodelado em uma estilização pastiche, exercício de gênero anti-patriarcal de tons barrocos lovecraftianos, de uma pungência e inspiração surpreendentes. Mesmo trabalhando em um campo hermenêutico que me escapa de certa forma (é, acima de tudo, um filme fundamentalmente feminista), é um dos filmes com os quais mais me identifiquei no ano.

4) A Câmera de Claire – Hong Sang-Soo
Um dos filmes mais lindos do ano exatamente por ser um dos mais esperançosos. Quando a morte não é capaz de abandonar porque a memória não a permite, quando o meu amor pelo mundo dá continuidade pelo amor que eu sentia por você. O perdão e a redenção são sempre possíveis.

3) L’amant d’un jour – Philippe Garrel
De uma expressividade física que pouquíssimos filmes são capazes de alcançar. Garrel não trabalha com luz de maneira tão catártica há anos.

2) Antes Que Tudo Desapareça – Kiyoshi Kurosawa
De uma flexibilidade procedimental difícil de mensurar, mais do que dispor-se de vários gêneros e abordagens distintas, trabalha estreitando os limites entre estes com um dinamismo magistral. Quando a linguagem não pode abarcar o conceito de amor, quando a cultura opera na contramão do espírito, quando o rosto dela carrega o peso do fim do mundo.

1) Grass – Hong Sang-Soo
Cosmologia da ambiguidade, do voyeurismo, que espia, enseja, arrisca penetrar o impenetrável, que constata o dilema da apercepção kantiana mas continua apoderado de um ímpeto quase perverso de apreender o que nos escapa. Como realmente saber algo, se tudo é refém da minha consciência e o que não é acaba fugindo desta? Um filme que compreende como a arte trabalha na mesma lógica sensível do amor, quando o rosto do Outro vai para além da minha razão e colide no solipsismo revolucionário nietzscheano e no amor pleno lévinasiano, equilibrando ambos em uma balança que carrega toda a esperança e todo o desespero do mundo.

Dada a minha recente obsessão (pouquíssimo saudável, diga-se de passagem) por K-pop que se iniciou em meados de setembro, escutei poucos álbuns nesse fim de ano. A lista ainda assim é bastante diversa e tem muita coisa que eu curto, mas meu espírito completista dos anos recentes foi irremediavelmente prejudicado. Enfim, apenas um comentário que pode justificar a ausência de alguns nomes que mereceriam lugar por aqui mas infelizmente fugiram do escopo limitado do meu radar desse fim de ano. Recomendações são sempre bem vindas!

Álbuns:
1) Loona – [++]
2) SOPHIE – Oil Of Every Pearl’s Un-Insides
3) Julia Holter – Aviary
4) Lolina – The Smoke
5) Eliane Radigue – Occam Ocean, Vol. 1
6) Red Velvet – Really Bad Boy
7) Anna Von Hausswolff – Dead Magic
8) harunemuri – Haru to Shura
9) Playboi Carti – Die Lit
10) Alvin Lucier – Criss-Cross/Hanover
11) Daughters – You Won’t Get What You Want
12) Sarah Davachi – Let Night Come On Bells End The Day
13) Amnesia Scanner – Another Life
14) Snail Mail – Lush
15) Eric Chenaux – Slowly Paradise
16) Grouper – Grid Of Points
17) Idris Ackamoor & The Pyramids – An Angel Fell
18) Yves Tumor – Safe In The Hands of Love
19) NONAME – Room 25
20) Sophia Loizou – Irregular Territories
21) Ursula K. Le Guin & Todd Barton – Music and Poetry of The Kesh
22) Jean Gray x Quelle Chris – Everything’s Fine
23) Phew – Voice Hardcore
24) Tim Hecker - Konoyo
25) John Coltrane – Both Directions at Once: The Lost Album
26) Parquet Courts – Wide Awake!
27) Klein - cc
28) Hop Along – Bark Your Head Off, Dog
29) Felix Blume – Death In Haiti: Funeral Brass Bands & Sounds From Port Au Prince
30) Rosalía – El Mal Querer
31) Aphex Twin - Collapse
32) Death Grips – Year Of The Snitch
33) Cardi B – Invasion Of Privacy
34) Tropical Fuck Storm – A Laughing Death In Meatspace
35) Jenny Hval – The Long Sleep
36) IDLES – Joy as an Act of Resistance
37) Delroy Edwards – Rio Grande
38) ILL – We Are ILL
39) Earl Sweatshirt – Some Rap Songs
40) Kero Kero Bonito – Time ‘n’ Place
41) Horrendous – Idol
42) JPEGMAFIA – Veteran
43) Pusha-T – DAYTONA
44) Portal – Ion
45) Carla Bozulich – Quieter
46) BTS – Love Yourself
47) Current 93 – The Light Is Leaving Us All
48) Ben Lamar Gay - Downtown Castles Can Never Block The Sun
49) Jean-Luc Guionnet & Daichi Yoshikawa – Intervivos
50) Mitski – Be The Cowboy
51) Kids See Ghosts – Kids See Ghosts
52) Loona yyxy - Beauty & The Beat
53) Roc Marciano – Behold a Dark Horse
54) Zeal & Ardor – Stranger Fruit
55) Mount Eerie – Now Only
56) Car Seat Headrest – Twin Fantasy
57) Beach House – 7
58) Robyn – Honey
59) Blawan – Wet Will Always Dry
60) Elysia Crampton – Elysia Crampton
61) U. S. Girls – In a Poem Unlimited
62) Gazelle Twin - Pastoral
63) Iceage – Beyondless
64) iKON - Return
65) A. A. L. (All Against Logic) – 2012-2017
66) BROCKHAMPTON - Iridescence
67) Jon Hopkins - Singularity
68) Blood Orange – Negro Swan
69) Kali Uchis - Isolation
70) Janelle Monáe – Dirty Computer
71) Objekt - Cocoon Crush
72) Ghost – Prequelle
73) Black Thought & 9th Wonder – Streams Of Thought, Vol. 1
74) Ashley Paul – Lost In Shadows
75) SHXCXCHCXSH - OUFOUFOF
76) Toby Driver - They Are The Shield
77) SUNMI - Warning
78) Ava Rocha – Trança
79) Deafheaven – Ordinary Corrupt Love
80) Insecure Men – Insecure Men
81) Sons Of Kemet – Your Queen Is a Reptile
82) Natalia Lafourcade - Musas
83) Screaming Females – All At Once
84) Seth Graham – Gasp
85) boygenius – boygenius EP
86) Cat Power – Wanderer
87) Cities Aviv – Raised For a Better View
88) Kamasi Washington - Heaven and Earth
89) Nas – NASIR
90) Teyana Taylor – K.T.S.E.
91) Judas Priest – Firepower
92) Tirzah - Devotion
93) Momoland – Fun To The World
94) Sleep – The Sciences
95) ZULI - Terminal
96) serpentwithfeet - soil
97) Saba – CARE FOR ME
98) Polyphia – New Levels New Devils
99) Jack White - Boarding House Reach
100) Kanye West - ye

Algumas leituras e releituras apreciadas:
Finnegans Wake – James Joyce (leitura não integral, meu livro de cabeceira do ano, consultado mais como uma bíblia do que qualquer outra coisa)
Le Père Goriot – Honoré de Balzac
O Evangelho Segundo Jesus Cristo - José Saramago
O Deserto dos Tártaros – Dino Buzzati
Manuelzão e Miguilim – João Guimarães Rosa
The Crying Of Lot 49 – Thomas Pynchon
As I Lay Dying – William Faulkner
Le Côté de Guermantes – Marcel Proust
Édipo Rei - Sófocles
Antígona – Sófocles
O Cinema: Ensaios – André Bazin
A Montanha Mágica – Thomas Mann
Sabbath’s Theater - Philip Roth
L’étranger – Albert Camus
Madame Bovary – Gustave Flaubert
Nos Cumes do Desespero – Emil Cioran