quarta-feira, 24 de setembro de 2014
Sem Essa, Aranha - Rogério Sganzerla (1970)
Sem Essa, Aranha é provavelmente um dos exercícios informais mais extremos da história do cinema mundial. A antiestética alucinante do filme, consistindo em longos planos-sequência com a câmera trêmula e uma aglomeração de atores e figurantes interagindo freneticamente uns com os outros (através de gritos desesperados, aforismos incertos, encenações ultradramáticas, expressões enigmáticas) contribui para a experiência hipnotizante que é assistir à obra: Não se pode fazer muitas afirmações sobre o enredo do filme, devido ao caos anárquico predominante em cada plano filmado por Sganzerla, diretor este que figura entre os mais prolíficos e geniais do cinema marginal.
O cinema marginal no Brasil surgiu como uma oposição estética e ideológica aos formalismos presentes no cinema hollywoodiano e como uma complementação às revoluções implementadas anteriormente no Cinema Novo. Diretores como Sganzerla, Bressane, Tonacci e Trevisan tinham como intuito principal a reformulação do conceito de cinema nacional - algo que representasse o Brasil mais fielmente do que os usuais filmes que exaltavam a beleza natural do país, ignorando os graves problemas sociais e ideológicos que a nação possuia.
O filme é de uma sensibilidade visual absolutamente impressionante, mesmo com a encenação caótica da obra teoricamente contribuindo para uma experiência mais atordoante que ascética. Curiosamente, em meio à dramaturgia confusa do filme, o diretor consegue retirar dali cenas verdadeiramente deslumbrantes, como a cena em que Helena Ignez e Zé Bonitinho dialogam na praia. Isso se deve muito às principais influências do diretor: Sganzerla prezava muito nomes como Welles e Godard (inclusive O Bandido Da Luz Vermelha, seu filme mais famoso, é frequentemente considerado uma versão tupiniquim de O Demônio Das Onze Horas).
No fim, o que resta não é apenas o delírio causado pela nebulosa crônica (quase surrealista de tão real), nem o estigma de tudo aquilo que havia sido exposto anteriormente, e sim uma sensação de que tudo aquilo compunha um quadro maior, um fiel retrato de um país em cacos, com suas falácias morais e sociais muito bem expostas. Puro Cinema. Puro Brasil.
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