segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Tabu - Miguel Gomes (2012)


Mais do que apenas expô-las, o papel do cinema em relação às memórias é eternizá-las. Tabu é um filme que oferece um retrato sensível dos interstícios da saudade e da memória, que circunstancia a ontologia da lembrança e que pormenoriza a culpa e o arrependimento em uma sobreposição dos mesmos, sendo ambos justificados por uma constante noção de que as intenções contidas nos atos das personagens eram justificáveis. A direção de fotografia é esplendorosa, o filme é filmado na sua integridade com uma sobriedade contagiante, em contraponto com a sensibilidade inexoravelmente encontrada na obra. A direção é inventiva, insólita, comovente, genial - assim como em "Aquele Querido Mês De Agosto", Gomes nos presenteia com uma das melhores obras dos últimos anos.

O filme é referência ao filme "Tabu", dirigido por F. W. Murnau em 1931. O filme de Gomes, assim como o de Murnau, trabalha com o formato díptico, porém ele inverte as duas partes: inicia-se com Paraíso Perdido para posteriormente apresentar Paraíso. O motivo da inversão é claro: o filme apresenta inicialmente Aurora, a protagonista, vivendo melancolicamente em um apartamento em Lisboa com a sua empregada cabo-verdiana Santa. Já idosa e doente, ela devaneia sobre sonhos que metaforizam relações humanas e lamenta o seu fim de vida irrisório. Já no leito de morte, ela chama por um homem chamado Ventura incessantemente. Pilar, sua vizinha e única amiga, decide ir atrás do homem, o encontra e a partir daí ele começa a contar para ela e Santa sobre o Paraíso Perdido, que nos é apresentado na segunda parte do filme, sendo esta segunda parte toda narrada - uma das narrações mais sensacionais dos últimos tempos, por sinal, funcionando diegeticamente com a belíssima progressão imagética em preto e branco que é apresentada magistralmente por Gomes.

O filme disserta sobre o valor da memória, exaltando-a e retratando em paralelo a inocência inerente aos atos insensatos de um casal apaixonado. O filme demonstra a relação de causalidade que há entre a memória e a frustração, expondo um retrato único da potência da nostalgia humana, dimensionando a saudade do protagonista por meio daquelas imagens mudas. Razoavelmente, não é isso que o cinema é? Assim como na fotografia, a força motriz do cinema está na imagem, a beleza não está intrinsicamente relacionada apenas à história, ou às interpretações, roteiro, arte, mise-en-scéne - ela está na imagem em si. O cinema surgiu da construção e manipulação da imagem, eternizando memórias de maneira singularmente pessoal, evocando com sucesso há mais de 100 anos os valores mais primitivos do homem - seja o amor de Ventura e Aurora, seja a culpa pelo crime que ocorreu, seja a nostalgia daquele paraíso proibido, seja o que for - a potência está na imagem.

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