sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

2014

Filmes favoritos de 2014:

10) O Gebo e a Sombra – Manoel de Oliveira (8/10)


Oliveira constrói novamente com seus longos planos-sequência um filme que fascina pela singularidade estética e pelo primor pautado da montagem, resultando em uma obra dotada de uma sensibilidade tangível. Não chega a ser do mesmo nível das obras primas que foram os seus últimos filmes, seria até injusto esperar pelo mesmo, mas ainda assim permanece como um dos melhores do ano - nada menos do que esperaríamos do gênio que é o diretor da obra.

9) O Ato De Matar – Joshua Oppenheimer (8/10)


Filme essencial e esclarecedor, principalmente em anos de eleições. Assustador como é atual, e talvez seja tão devastador exatamente por mostrar uma realidade tão próxima de nós, com ideais pró-ditadura com tanta aprovação em pleno século XXI. A cena final expõe magistralmente os horrores de um regime totalitário e os impactos no humano inserido nessa realidade incômoda. O que mais assusta é que o que ocorreu ali, apesar de propiciado pelo sistema social, não tinha relação com ideologia, e sim com as influências psicológicas do ambiente no ser humano.

8) Amar, Beber e Cantar – Alain Resnais (8/10)


O último exercício cênico de Resnais, um dos maiores expoentes da história do cinema mundial. Dispensando raccords, explorando magistralmente noções de campo, contracampo e cenário, cria-se uma obra de direção de arte impecável. Um trabalho minucioso de extracampo, onde toda a história gira em torno de alguém que sequer aparece na tela. É uma ironia das mais tocantes o fato do centro dramático do filme ser alguém prestes a morrer.

7) O Ciúme – Phillipe Garrel (8.5/10)


Através de uma narrativa fragmentada, Garrel extraí instantes de vida pulsantes, dolorosos e sinceros. É um filme sobre relacionamentos e como eles se estruturam, sobre o amor, a vida e o interstício entre ambos.

6) Jersey Boys: Em Busca Da Música – Clint Eastwood (8.5/10)


Impressionantemente sensível a cena em que o protagonista canta uma música para conquistar uma moça da plateia e a narrativa adquiri perspectivas oníricas e idílicas, retratando com maestria a troca de olhares. Sem dúvida o diretor representante do cinema clássico hollywoodiano na atualidade, Clintão mostra que está em plena forma.

5) Vidas Ao Vento – Hayao Miyazaki (8.5/10)


Miyazaki constrói aqui novamente uma história em que a fábula e o imaginário mesclam-se naturalmente com a realidade por vezes dura porém sempre bela do seu universo. Diferentemente da grande maioria de animações japonesas, usualmente bregas e vazias ou dotadas de uma grandiloquência pobre e embusteira (apesar de normalmente estarem travestidos em um molde institucionalizado do ideal de sociedade e trejeitos japoneses, se assemelham muito mais a um blockbuster B americano do que ao mesmo). Aqui os eventos naturais e as variações meteorológicas são personagens, elas influem e variam a progressão de eventos, entrelaçam destinos e constroem raízes. Com o vento indo e vindo, por vezes devastador, devemos tentar sobreviver. Profundamente belo e sensível.

4) Cães Errantes – Ming-Liang Tsai (8.5/10)

Com um lirismo visual pungente e devastador, acompanhamos sucessivas cenas profundamente dolorosas do cotidiano de uma família chinesa, apenas para no fim confrontarmos o encarceramento social desses seres moribundos, renegados, errantes, encontrando como ideal de liberdade uma gravura anciã (bidimensional, intangível) em um edifício em ruínas.

3) Bem-Vindo à Nova York – Abel Ferrara (8.5/10)


Ferrara parte de um evento real (o suposto estupro de DSK) e o abrange para condições metafísicas em uma das digressões psicológicas mais fortes do cinema moderno. A ficção vai adquirindo uma autenticidade incrível que se dissolve em luz, formas, sombras e termina por construir uma devastadora análise interior da personagem principal. A encenação absolutamente impressionante de Depardieu na sua dicotomia DSK/próprio Depardieu é simplesmente estonteante.

2) Era Uma Vez Em Nova York – James Gray (9/10)



1) Hotel Mekong – Apichatpong Weerasethakul (9/10)


Exercício magistral de fabulação que coordena distintas realidades no universo de um hotel. O sobrenatural em contato com o cotidiano, a paixão idílica de dois amantes, o tempo em constante e irrefreável movimento como o fluxo de um rio. Navegando entre os destroços causados pelas insidiosas inundações sucessivas comentadas na obra, flui como um sonho à deriva.

Álbuns favoritos de 2014:

50) O Terno – O Terno
49) Parkay Quarts – Content Nausea
48) Thantifaxath – Sacred White Noise
47) Full Of Hell – Full Of Hell & Merzbow
46) Wildbirds & Peacedrums – Rhythm
45) BADBADNOTGOOD - III
44) Julia Brown – An Abundance Of Strawberries
43) Clark - Clark
42) The Twilight Sad – Nobody Wants To Be Here And Nobody Wants To Leave
41) Behemoth – The Satanist
40) Scott Walker & Sunn O))) – Soused
39) Interpol – El Pintor
38) Liars – Mess
37) Kayo Dot – Coffins On Io
36) Mastodon – Once More ‘Round The Sun
35) Oren Ambarchi & Eli Kesler – Alps I
34) La Dispute – Rooms Of The House
33) Panopticon – Roads To The North
32) Have a Nice Life – The Unnatural World
31) Naked Island – Naked Island
30) The War On Drugs – Lost In The Dream
29) La Roux – Trouble In Paradise
28) Wolves In The Throne Room – Celestite
27) Dean Blunt – Black Metal
26) tUnE-yArDs - Nikki Nack
25) Freddie Gibbs & Madlib – Piñata
24) A Sunny Day In Glasgow – Sea When Absent
23) Busdriver – Perfect Hair
22) Caribou – Our Love
21) Carla Bozulich – Boy
20) Run The Jewels – Run The Jewels 2
19) Botanist – VI: Flora
18) Spoon – They Want My Soul
17) Thee Silver Mt. Zion – Fuck Off! Get Free! We Pour Light On Everything
16) Dorval & Devereaux - Dorval & Devereaux
15) Aphex Twin – Syro
14) St. Vincent – St. Vincent
13) Clipping – CLPPNG
12) D’Angelo & The Vanguard – Black Messiah
11) Perfume Genius – Too Bright
10) i. o. – Edit Architect
Estruturalmente, um dos mais complexos álbuns do ano – mesclando chamber music, free jazz, lo-fi, black metal e avant-garde com uma voracidade hermética e sublime, apenas para depois leva-la em contraponto à melancolia constante dos acordes em delay acústico que surgem simbolicamente em meio ao caos. Funciona como uma noção de beleza tópica travestida em uma estética terrorista.
9) Jenny Hval & Susanna – Meshes Of Voice
O lirismo lascivo e hipnotizante de Hval associado às melodias torturantes de Susanna. Provavelmente a melhor colaboração do ano.
8) Flying Lotus – You’re Dead!
O álbum mais conciso do Flying Lotus até o momento (o que não é pouca coisa). Ponto de encontro inevitável após o sucesso estrondoso dos seus últimos dois álbuns, You’re Dead! mistura jazz, hip hop e eletrônica construindo uma das incursões metafísicas mais fascinantes de 2014.
7) Death Grips – The Powers That B
WHERE ARE YOU JENNY DEATH?
6) Ariel Pink – Pom Pom
Meu álbum favorito do Ariel Pink. Em uma época onde o pop vive de singles, não é menos que fascinante escutar algo que funciona exatamente pelo contexto, pela maneira como as músicas dialogam entre si e com o passado.
5) FKA Twigs – LP1
Uma ingressão que de tão emotiva soa física - a luxúria, o amor e a decepção sentidas na pele, cada gota de suor, cada fita de vídeo vazada, cada término de relacionamento, cada sentimento consumado com a submissão e entrega lasciva.
4) Iceage – Plowing Into The Field Of Love
Joy Division com Nick Cave and The Bad Seeds. É impressionantemente visceral devido à entrega vocal cínica e suja de Elias Bender em sintonia perfeita com os riffs distorcidos das guitarras e estabelecendo um emocionante contraponto com as linhas ascéticas de teclado.
3) Grouper - Ruins
Durante as primeiras tentativas de adentrar o primeiro álbum acústico do Grouper, o processo aparenta monótono, repetitivo e hermético. Porém, conforme vamos nos acostumando com o tom vertiginoso construído por Liz Harris, percebemos que na realidade se trata de uma das entregas mais emocionalmente complexas e profundas do ano - as linhas assombrosas de teclado evidentemente só tornam a jornada ainda mais tocante.
2) Sun Kil Moon - Benji
Arrisco dizer que é o álbum mais honestamente devastador dos últimos anos. Não consigo imaginar alguém escutando músicas como Jim Wise ou Micheline sem termina-las com os olhos marejados. Liricamente, é o que há de mais belo e sincero na música recente -  o testamento musical de Mark Kozelek.
1) Swans - To Be Kind
O álbum mais agressivo, distorcido e alucinante do ano. No fim, a misantropia voraz que permeia os riffs repetitivos, as linhas de bateria indiscriminadas, os trompetes insanos e o lirismo doentio do álbum adquirem tanta potência que não existe outra solução senão se render à grandeza dessa obra prima. É possível traçar um interessante paralelo entre a tautologia encontrada na retórica do álbum (representada evidentemente pela redundância de certas ideias) com o pathos associado ao logos em detrimento do ethos institucionalizado, construindo uma análise doentia da desilusão existencial do homem contemporâneo em um mundo imoral. Acima de tudo, uma obra essencial.

Algumas leituras de 2014 (que recomendo fortemente):

- Em Busca Do Tempo Perdido Vol. 2: À Sombra Das Raparigas Em Flor – Marcel Proust
- O Homem Sem Qualidades – Robert Musil
- O Castelo – Franz Kafka
- O Som e a Fúria – William Faulkner
- Crime e Castigo – Fiodor Dostoiévski
- O Círculo de Giz Caucasiano – Bertolt Brecht
- Sagas – August Strindberg
-O Perseguidor – Julio Cortázar
- Esculpir o Tempo – Andrei Tarkovsky
- Ensaio Sobre a Análise Fílmica – Francis Vanoye e Anne Goliot-Lété

Nenhum comentário:

Postar um comentário