quarta-feira, 28 de julho de 2021

Tempo - M. Night Shyamalan (2021)


Nada é menos do que o momento presente, se entendermos por isso o indizível instante que separa o passado do futuro.

Henri Bergson

Old não é um filme sobre o medo da morte, é um filme sobre o medo do tempo, medo da vida. Medo do futuro, mas também do passado, medos que impedem a vida de existir na imediação do presente.

Uma vez a minha avó olhou para mim e me disse que ela sentia como se todos os momentos mais importantes da vida dela tivessem se concluído em um piscar de olhos. A minha mãe sempre me diz algo parecido: ela olhou para mim quando eu nasci, e quando piscou eu já andava. Ela piscou novamente e eu comecei a falar, piscou mais uma vez e eu me formei, piscou finalmente e eu estava saindo de casa para morar fora. O tempo não existe, o que existe é memória e abstração.

Shyamalan parece interessado em construir uma comédia deslocada em um exercício de gênero próximo do horror. A proposta é corriqueira, mas a maneira com a qual ele lida com ela é absolutamente radical. Radical não apenas num sentido narrativo mas também formal, a liberdade do dispositivo nesse filme é algo maravilhoso de se presenciar. Fechando o universo do filme para o microcosmo de uma praia, Shyamalan se obriga a encontrar ângulos diferentes e planos insólitos, cada etapa narrativa do filme soando sempre original, repleta de novas decisões formais que tornam a estética do filme algo próximo de um filme experimental. Ao invés de contar uma história ao expor um mundo, ele prefere criá-lo, moldando, dilatando e esmagando sua matéria até que o filme tome forma.

A violência com a qual os personagens surgem e desaparecem no filme (que não tem quase nenhuma preocupação em articular esses desvios narrativos para além do efeito sensível que cada uma dessas sequências têm no espectador e nas ambições temáticas do filme) e a aparente inépcia da dramaturgia (origem de boa parte do seu humor) funcionam tão bem porque Shyamalan nunca foi interessado em uma verossimilhança comportamental de seus personagens. Ao mesmo tempo que seus personagens não existem como simples muletas narrativas - ele nunca os utilizou como signos desprovidos de singularidade em prol das suas ambições hermenêuticas e narrativas, cada personagem é sempre habitado com uma personalidade bastante precisa e possui desejos, medos, traumas, que lhes são muito preciosos - estes também são frequentemente colocados para agir de forma totalmente desfasada da realidade, submetidos a uma configuração altamente estilizada e romanesca, tão única nessa noção desmedida de espetáculo.

O mais lindo aqui é como em uma duração de menos de duas horas os personagens vão se metamorfoseando não apenas esteticamente mas também internamente, evoluindo e sentindo novas sensações, tendo novas ideias, vivendo novas experiências. Os nossos corpos mudam mas nossas almas também. O tempo não apenas destrói, mas também repara. A beleza da vida é que mesmo após nossos erros, mesmo após os erros que os outros infligem contra nós, ainda somos capazes de perdoar e de sermos perdoados. A redenção sempre é possível, mesmo que ela se configure como martírio - nesse sentido, a personagem da modelo obcecada por beleza tem um arco que me impacta particularmente. A cena que conclui seu percurso, expondo a fragilidade do seu corpo e o trauma que ela tem que confrontar, é uma incrível sequência de body horror que incorpora de maneira bastante violenta a turbulência psicológica que um amor perdido e a culpa que ela sentia causavam nela.

A reviravolta final faz pouquíssimo sentido e retira o filme totalmente da sua ambiência enclausuradora, mas quem se importa, sinceramente. Shyamalan conclui seu filme de verdade no momento em que duas pessoas que se amaram muito morrem lado a lado, logo depois de encontrarem a redenção enquanto uma onda quebrava no limite da praia. E no dia seguinte a aceitação que vem de dois amigos, que ao invés de continuar lutando contra o tempo, simplesmente se sentam na areia molhada e começam a fazer castelos de areia juntos. Talvez o tempo não seja tão assustador assim quanto nossas consciências fazem parecer.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

2020

 50 Filmes Favoritos:

Filmes lançados entre 2018-2020 assistidos pela primeira vez em 2020.

50) Siberia – Abel Ferrara

49) Garden City Beautiful – Ben Balcom

48) Underwater – William Eubank

47) A Morte Branca do Feiticeiro Negro – Rodrigo Ribeiro

46) Dad is Gone – Pere Ginard

45) L’île au Trésor – Guillaume Brac

44) Un Soupçon d’Amour – Paul Vecchiali

43) Alone – John Hyams

42) Da 5 Bloods – Spike Lee

41) La France Contre Les Robots – Jean-Marie Straub

40) Gloria Mundi – Robert Guédiguian

39) The Wild Goose Lake – Diao Yi’nan

38) Ne croyez surtout pas que je hurle – Frank Beauvais

37) La Gomera – Corneliu Porumboiu

36) Farewell Song – Akihiko Shiota

35) Amazing Grace – Sydney Pollack, Alan Elliott

34) Bad Hair – Justin Simien

33) Work It – Laura Terruso

32) Train de Vies – Paul Vecchiali

31) Never Rarely Sometimes Always – Eliza Hittman

30) Le Sel des Larmes – Philippe Garrel

29) Alice et le Maire – Nicolas Pariser

28) If You Could Go Back, I Would See Her. – Joshua R. Troxler

27) Postdigital Flipbook – Pablo-Martín Córdoba

26) 中孚 61 La Verdad Interior – Sofía Brito

25) Watching the Pain of Others – Chloé Galibert-Laîné

24) L. Cohen – James Benning

23) Dark Waters – Todd Haynes

22) First Cow – Kelly Reichardt

21) Undine – Christian Petzold

20) It Feels So Good – Haruhiko Arai

19) Fourteen – Dan Sallitt

18) Technoboss – João Nicolau

17) O Colírio do Corman me Deixou Doido Demais – Ivan Cardoso

16) A Densa Nuve, O Seio – Vinícius Romero

15) É Rocha e Rio, Negro Leo – Paula Gaitán

14) Richard Jewell – Clint Eastwood

13) Dwelling in the Fuchun Mountains – Gu Xiaogang

12) Days – Tsai Ming-Liang

11) The King of Staten Island – Judd Apatow

10) Tommaso – Abel Ferrara

9) The Man in the Woods – Noah Buschel

8) Sertânia – Geraldo Sarno

7) Ilha – Ary Rosa, Glenda Nicácio

6) Antoinette dans les Cévennes – Caroline Vignal

5) À l’Abordage ! – Guillaume Brac

4) My Mexican Bretzel – Nuria Giménez

3) City Hall – Frederick Wiseman

2) The Woman Who Ran – Hong Sang-Soo

1) Les choses qu’on dit, les choses qu’on fait – Emmanuel Mouret


PS: A grande maioria dos filmes selecionados foram comentados aqui: https://letterboxd.com/diogoserafim/


100 Álbuns Favoritos:

1) Fiona Apple - Fetch the Bolt Cutters

2) Cindy Lee – What’s Tonight to Eternity

3) Beatrice Dillon - Workaround

4) Yukika – Soul Lady

5) Ichiko Aoba – Windswept Adan

6) Rina Sawayama – SAWAYAMA

7) Delphine Dora - L’innatingible

8) Meridian Brothers – Cumbia Siglo XXI

9) Haru Nemuri – Lovetheism

10) DJ Python – Mas Amable

11) Mateus Aleluia - Olorum

12) Jessie Ware – What’s Your Pleasure

13) Beatriz Ferreyra – Echos+

14) Lido Pimienta – Miss Colombia

15) Paysage d’Hiver – Im Wald

16) Special Interest – The Passion Of

17) Charli XCX – how i’m feeling now

18) Fleet Foxes – Shore

19) Pyrrhon - Abscess Time

20) The Microphones – Microphones in 2020

21) Moor Jewelry – True Opera

22) Twice – Eyes Wide Open

23) Horse Lords – The Common Task

24) Julianna Barwick – Healing is a Miracle

25) HMLTD – West of Eden

26) Squarepusher – Be Up a Hello

27) Okkyung Lee – Yeo-Neun

28) Nicolas Jaar - Telas

29) Phoebe Bridgers – Punisher

30) Joana Queiroz – Tempo Sem Tempo

31) Against All Logic – 2017-2019

32) Autechre - SIGN

33) Chloe x Halle – Ungodly Hour

34) Deerhoof – Future Teenage Cave Artists

35) HA:TFELT – 1719

36) Blu & Exile – Miles

37) Oranssi Pazuzu - Mestarin Kynsi

38) Haim – Women in Music Pt. III

39) Natalia Lafourcade – Un Canto por Mexico Vol. 1

40) Hey Colossus – Dances/Curses

41) Algiers – There is No Year

42) Einstürzende Neubauten - Alles In Allem

43) The Soft Pink Truth – Shall We Go On Sinning So That Grace May Increase?

44) Boris – NO

45) Moor Mother – Circuit City

46) Róisín Murphy - Róisín Machine

47) Black Dresses – Peaceful as Hell

48) WJSN – Neverland

49) Nicolas Jaar - Cenizas

50) Dope Body – Home Body

51) Autechre – PLUS

52) Sarah Davachi – Cantus, Descant

53) R.A.P. Ferreira – Purple Moonlight Pages

54) Bob Dylan – Rough and Rowdy Ways

55) Loona – [12:00]

56) Backxwash – God Has Nothing to Do With This Leave Him Out of It

57) Freddie Gibbs & The Alchemist - Alfredo

58) The Strokes – The New Abnormal

59) Arca – KiCk i

60) Liturgy – Origin of the Alimonies

61) Run the Jewels – RTJ4

62) Dua Lipa – Future Nostalgia

63) Nadine Shah – Kitchen Sink

64) Duma - Duma

65) Idles – Ultra Mono

66) Nídia – Não Fales Nela que a Mentes

67) Bill Callahan – Gold Record

68) BoA – Better

69) Perfume Genius – Set My Heart on Fire Immediately

70) Jeff Rosenstock – NO DREAM

71) Mac Miller - Circles

72) Matmos – The Consuming Flame: Open Exercises in Group Form

73) clipping. – Visions of Bodies Being Burned

74) Sex Swing – Type II

75) King Krule – Man Alive!

76) Sarah Davachi – Gathers

77) Anna von Hausswolff – All Thoughts Fly

78) Twice – More and More

79) Taylor Swift - evermore

80) Destroyer – Have We Met

81) Everglow - -77.78x-78.29

82) U.S. Girls – Heavy Light

83) The Avalanches – We Will Always Love You

84) Irene & Seulgi – Monster

85) Taylor Swift - Folklore

86) Sevdaliza - Shabrang

87) Tiganá Santana – Vida Código

88) Laura Marling – Song for our Daughter

89) Tkay Maidza – Last Year Was Weird Vol. 2

90) Megan Thee Stallion – Good News

91) A. G. Cook - Apple

92) Touché Amoré – Lament

93) Yves Tumor - Heaven To A Tortured Mind

94) Adrianne Lenker – Songs

95) Grimes – Miss Anthropocene

96) Kai – The 1st Mini Album

97) BTS – Map of the Soul: 7

98) Bright Eyes – Down in the Weeds, Where the World Once Was

99) Moses Sumney – grae

100) Tame Impala – The Slow Rush


Livros:

L'Arrière Pays - Yves Bonnefoy

Voyage au Bout de la Nuit - Céline

La Route des Flandres - Claude Simon

Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres - Clarice Lispector

A Paixão Segundo G. H. - Clarice Lispector

Bom Entretenimento - Byung Chul-Han

Bérénice - Racine

V - Thomas Pynchon

L'Éducation Sentimentale - Gustave Flaubert