Nada é menos do que o momento presente, se entendermos por isso o indizível instante que separa o passado do futuro.
Henri Bergson
Old não é um filme sobre o medo da morte, é um filme sobre o medo do tempo, medo da vida. Medo do futuro, mas também do passado, medos que impedem a vida de existir na imediação do presente.
Uma vez a minha avó olhou para mim e me disse que ela sentia como se todos os momentos mais importantes da vida dela tivessem se concluído em um piscar de olhos. A minha mãe sempre me diz algo parecido: ela olhou para mim quando eu nasci, e quando piscou eu já andava. Ela piscou novamente e eu comecei a falar, piscou mais uma vez e eu me formei, piscou finalmente e eu estava saindo de casa para morar fora. O tempo não existe, o que existe é memória e abstração.
Shyamalan parece interessado em construir uma comédia deslocada em um exercício de gênero próximo do horror. A proposta é corriqueira, mas a maneira com a qual ele lida com ela é absolutamente radical. Radical não apenas num sentido narrativo mas também formal, a liberdade do dispositivo nesse filme é algo maravilhoso de se presenciar. Fechando o universo do filme para o microcosmo de uma praia, Shyamalan se obriga a encontrar ângulos diferentes e planos insólitos, cada etapa narrativa do filme soando sempre original, repleta de novas decisões formais que tornam a estética do filme algo próximo de um filme experimental. Ao invés de contar uma história ao expor um mundo, ele prefere criá-lo, moldando, dilatando e esmagando sua matéria até que o filme tome forma.
O mais lindo aqui é como em uma duração de menos de duas horas os personagens vão se metamorfoseando não apenas esteticamente mas também internamente, evoluindo e sentindo novas sensações, tendo novas ideias, vivendo novas experiências. Os nossos corpos mudam mas nossas almas também. O tempo não apenas destrói, mas também repara. A beleza da vida é que mesmo após nossos erros, mesmo após os erros que os outros infligem contra nós, ainda somos capazes de perdoar e de sermos perdoados. A redenção sempre é possível, mesmo que ela se configure como martírio - nesse sentido, a personagem da modelo obcecada por beleza tem um arco que me impacta particularmente. A cena que conclui seu percurso, expondo a fragilidade do seu corpo e o trauma que ela tem que confrontar, é uma incrível sequência de body horror que incorpora de maneira bastante violenta a turbulência psicológica que um amor perdido e a culpa que ela sentia causavam nela.
A reviravolta final faz pouquíssimo sentido e retira o filme totalmente da sua ambiência enclausuradora, mas quem se importa, sinceramente. Shyamalan conclui seu filme de verdade no momento em que duas pessoas que se amaram muito morrem lado a lado, logo depois de encontrarem a redenção enquanto uma onda quebrava no limite da praia. E no dia seguinte a aceitação que vem de dois amigos, que ao invés de continuar lutando contra o tempo, simplesmente se sentam na areia molhada e começam a fazer castelos de areia juntos. Talvez o tempo não seja tão assustador assim quanto nossas consciências fazem parecer.
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